Sinopse: “Em 2 de março de 1998, aos 10 anos, Natascha Kampusch foi raptada por um estranho em uma caminhonete branca, a caminho da escola em Viena, Áustria. Horas mais tarde, ele a aprisionou em um porão escuro e úmido. Quando ela conseguiu fugir, oito anos depois, sua adolescência havia acabado.
Em 3096 dias, Natascha conta sua história pela primeira vez: a infância complicada, o que aconteceu no dia do sequestro, sua prisão em um cativeiro de cinco metros quadrados e a tortura física e mental que sofreu ao longo dos anos por parte de seu algoz, o engenheiro de telecomunicações Wolfgang Priklopil, um homem extremamente perturbado.
3096 dias é, acima de tudo, uma história sobre o triunfo do espírito humano, em que Natascha descreve como, numa situação de desespero quase insuportável, aos poucos aprendeu a manipular seu sequestrador. E como, contra todas as probabilidades, conseguiu escapar ilesa.”
Por meio destas duas imagens acima, podemos perceber duas coisas: A) eu não tenho pena de riscar meus livros (já tive, but those days are gone), e B) a leitura foi tão incrível que eu tive que escrever “leitura incrível” no cantinho da página.
E realmente foi um dos melhores livros que já li na minha vida. Tanto que não acredito que demorei tantos anos para começar. Ganhei no meu aniversário de 15 anos e só fui ler esse ano, com 19! Um absurdo, eu sei. Mas, agora que terminei, eu poderia iniciar dizendo o quão feliz estou por ter um livro a menos encalhado na estante, mas prefiro falar do quanto ele foi uma lição de vida. Tentarei não ser tãããão específica sobre cada pensamento que tive ao ler ou esta resenha acabaria com mais de 50 páginas. Darei apenas uma visão geral, explicitando algumas partes favoritas minhas e terminando com uma crítica ao filme.
3096 dias é uma autobiografia de Natascha Kampusch e minha primeira surpresa foi notar o quão bem ela escreve. Natascha consegue prender a atenção do leitor e puxá-lo para dentro da história de uma forma que quando você para pra pensar “caraca, isso aconteceu de verdade com ela, não é só ficção”, é inevitável que um turbilhão de sentimentos te arrebate. O livro não se trata apenas de uma descrição objetiva e fria sobre os acontecimentos do cativeiro. Há bastante contexto e reflexões pessoais da Natascha inclusos, de modo a complementar os fatos narrados (suas conclusões a respeito da Síndrome de Estocolmo e sobre enxergar as coisas em preto e branco são dignas de atenção especial). E gostei imensamente de como a história não segue uma cronologia limitante. Ela não se prende a narrar fato por fato, um atrás do outro; os capítulos são divididos por espécies de “temas” e assim avança ou volta nos anos mediante necessário para montar todo um panorama do assunto.
Afirmo com convicção que uma das maiores lições que me foi passada com 3096 dias foi a da importância da nossa identidade. Por muitas vezes, tomamos isso como garantido até sofrermos uma opressão direta. Natascha passou mais de oito anos sob opressão extrema e constante. Teve suas vontades pessoais ignoradas, seus sonhos esmagados e sua integridade física corrompida. Foi submetida desde às mais simples e efetivas medidas de manipulação para tentar tirar dela sua essência — como raspar o cabelo e escolher um novo nome — até às mais devastadoras — tal qual ter a ideia de que não tinha ninguém que a amasse no mundo implantada em seu psicológico. Acho-a muito inteligente, desde a maneira como aprendeu a lidar com o sequestrador — mesmo sendo somente uma criança — até a coragem que teve para enfrentá-lo em certos momentos decisivos, culminando com a sua maior ousadia e ato de bravura: a fuga. Eu particularmente não sei se teria tido a mesma força, provavelmente teria sucumbido ao desespero. Um dia, quero muito conhecê-la pessoalmente para dizer de perto o quanto eu a admiro como ser humano e como mulher.
Já o filme… O que dizer? Achei ridículo. É isso. Além de extremamente focado na questão da síndrome de Estocolmo que Natascha tentou tanto desconstruir em seu livro, inverteram a ordem de alguns fatos e acabou ficando um meio-termo entre uma biografia e uma ficção e acabou por não servir inteiramente a nenhum dos dois propósitos, porque nem suspense e drama eles conseguiram balancear o suficiente — aliás, NADA. A cena em que Natascha foge e o final como um todo deveriam ter sido um dos melhores momentos do filme, quando, no entanto, não causou emoção nenhuma nem fez pulsar adrenalina nas minhas veias. O Quarto de Jack (Room), que não foi baseado em uma história real, conseguiu me manter bem mais apreensiva e nervosa que este. O filme não é bom o suficiente sequer pra manter a atenção dos espectadores, o que me deixa muito triste, porque o livro, como já mencionei, é um dos melhores que li na minha vida e eu realmente gostaria que um cuidado maior tivesse sido dado ao filme.
Outro ponto negativo é o enfoque desnecessário e apelativo que foi dado para as cenas de relações sexuais. No próprio livro, Natascha menciona que não gostaria de abordar essa parte de sua história e eu, como leitora e ser humano empático, também acredito que esse não é o cerne de sua trajetória no cativeiro. A pressão psicológica pela qual ela era submetida o tempo inteiro foi seu real tormento durante aqueles oito anos. Sua luta principal foi para não se deixar sucumbir psicologicamente. Não perder sua identidade, acima de tudo. O filme a transformou em uma personagem que parecia até mesmo feliz em certos momentos. Pela minha percepção e pelo que aprendi no livro, ela nunca esteve feliz naquele cativeiro. Ela apenas se deixava levar pelo instinto inerente ao ser humano de busca por normalidade. Vivendo em meio a um contexto de opressão total, ela se agarrava às migalhas de humanidade que às vezes lhe eram ofertadas pelo sequestrador e se sentia, em parte, grata por isso. Ela não tinha para onde ou como fugir, então tentava, por esses pensamentos, transformar sua realidade cruel em algo mais leve e suportável. Ela precisou fazer isso para manter-se sã e sobreviver àquilo tudo.
O filme não cumpriu seu papel de explicar essas reflexões ocultas que ocorriam em sua mente, deixando, assim, espaço para reações precipitadas de julgamento por parte do espectador. Logo, o longa se tornou não um símbolo de empatia para com a história profundamente emocional de Natascha Kampusch, mas um palco de exibição simplista, incoerente e superficial de Síndrome de Estocolmo.
Imagino que quem tenha assistido somente ao filme tenha considerado a história emocionante do mesmo jeito, mas, acredite, o livro vale muito mais a pena. Durante algumas pesquisas para esse post descobri que Natascha publicou em 2016 seu segundo livro, intitulado 10 Jahre Freiheit (Dez anos de liberdade, em tradução livre). Mal posso esperar para lê-lo, pois ainda estou ávida por sua história. Por fim, deixo abaixo algumas imagens reais de Natascha Kampusch e Wolfgang Priklopil.